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Percursos

Percurso Pedestre e Equestre da Ribeira Lima

Este itinerário de índole cultural e paisagística atravessa, ao longo de aproximadamente 18 km, a planície aluvial da margem direita do rio Lima, entre o limite urbano de Viana do Castelo e a freguesia de Lanheses. 

Apresentando um trajeto de feição linear e plana, de dificuldade muito reduzida, pode ser usufruído na modalidade equestre ou pedonal. Este percurso bidirecional encontra-se sinalizado no terreno de forma a possibilitar a sua realização em ambos os sentidos, podendo ser iniciado junto ao Parque Ecológico Urbano e das estruturas que acolhem o Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Viana do Castelo (CMIA), adjacentes à foz do Ribeiro de São Vicente e ao estuário do rio Lima, ou no Largo da Seara, no centro de Lanheses

Este percurso integra a rede municipal de vias equestres que estabelece a ligação entre os sítios de importância comunitária da Rede Natura 2000. O itinerário que o convidamos a realizar oferece-lhe a oportunidade de contatar com ecossistemas fluviais, estuarinos e ripícolas de valiosa biodiversidade, desvendar as marcas da ocupação humana em diferentes períodos históricos e compreender os processos de construção e evolução da paisagem cultural.

No seu sector terminal, o rio Lima apresenta um vale aberto e amplo, com uma extensa planície aluvial. Este é o quadro natural onde se desenvolve a milenar paisagem humanizada da Ribeira Lima. Nesta fértil várzea de solos aluvionares, o intenso e ancestral uso agrícola, encontra-se inserido numa matriz de povoamento contínuo, embora disperso e de baixa densidade. A agricultura, caracterizada pelo minifúndio e pela policultura, à exceção de casos restritos de emparcelamento e especialização, assume uma presença preponderante à medida que progredimos para montante. Após a introdução e disseminação do cultivo do milho grosso no século XVI, esta cultura passa a marcar a paisagem agrícola da Ribeira Lima, como nos testemunham diversos cónegos relatores das memórias paroquiais das freguesias ribeirinhas. O Padre Dr. João Barros de Lima na Memória Paroquial de 1758 referente à paróquia da Meadela, descreve a importância do milho nesta freguesia da Ribeira Lima, onde o mosaico de culturas incluía, também, “… o centeio, vinhos, pouco trigo, bastante cevada, feijão, linho, sal e muito pouco azeite” (Fernandes, Almeida, 1994). Citamos, de igual modo, pela sua vivacidade descritiva, esta referência respeitante à paróquia de Vila Mou: “As margens deste rio se cultivam, que hé huma espasoza e delatada veiga que corre do Nacente a Poente e pella superficie do rio em parte fortalecida ou defendida de arvores silvestres a que chama amieiros e salgueiros. Esta veiga da copioso milho, parte della de dois em dois anos e parte todos os anos, milho groço e meudo.” (Capela, José Viriato, 2005).

Este percurso equestre ribeirinho encontra-se inserido no Sítio de Importância Comunitária (SIC) Rio Lima, constituído por resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97 de 28 de agosto e classificado como SIC pela decisão da Comissão de 7 de dezembro de 2004. Acompanhando de perto o rio Lima, percorremos um importante corredor ecológico. A galeria ripícola encontra-se fragmentada, alternando com as parcelas de cultivo, onde sobressaem as culturas forrageiras e cerealíferas, com destaque para o milho, assim como a vinha, implementada em ramada, a bordejar os campos agrícolas, ou conduzida em cordão, conforme as novas técnicas vitícolas. Amieiros, salgueiros, vidoeiros e carvalhos encontram-se entre as espécies mais frequentes nas faixas arbóreas ribeirinhas. O mosaico de habitats das margens do Lima contempla ainda prados com Molinia e Sphagnum spp. 

No estuário do rio Lima é de salientar o complexo sapal-juncal, habitat de transição entre o ambiente terrestre e aquático. Nas áreas de sapal, o reduzido fluxo das marés facilita a deposição de material detrítico e sedimentar, levando ao surgimento, por acumulação, de bancos de vasa emersos na baixa-mar, onde o substrato possibilita a instalação de vegetação halófita. As plantas halófitas do sapal vivem numa situação de secura fisiológica devido à elevada concentração salina do meio. Desta forma, desenvolveram adaptações morfológicas e fisiológicas semelhantes às das plantas xerófitas, tais como redução da área foliar e aumento da suculência das folhas e caules, aumento da massa radicular, denso revestimento de pelos secretores de sal e proteção dos órgãos aéreos por uma espessa cutícula. Nas áreas mais frequentemente sujeitas a inundação por água salgada, surge o designado juncal, constituído por grandes extensões de junco-das-esteiras (Juncus maritimus). Este biótopo fornece alimento a garças, aves limícolas e aves de rapina. 

O rio Lima possui excecional valor para a conservação de espécies piscícolas migratórias, verificando-se na sua bacia hidrográfica a presença de sável, savelha e lampreia-marinha, bem como de salmão, embora em número muito reduzido. O Padre Dr. João Barros de Lima na já mencionada Memória Paroquial de 1758, concernente à paróquia da Meadela, sublinha a abundância de peixe no rio Lima, enumerando a existência de “… tainhas, lampreias, sáveis, solhas, muito peixe pequeno, alguns linguados e salmões … ” (Fernandes, Almeida, 1994). Cite-se, igualmente, a resposta ao inquérito das Memórias Paroquiais de 1758, respeitante à paróquia de Lanheses, onde somos informados que: “Os peixes que nelle se criam em mais abundancia são escalos, vogas, trutas, alguns sabeis e em parte delle tainhas, muges, bastantes lampreas e também algum salmom.” (Capela, José Viriato, 2005). A referência a esta diversidade de espécies encontra-se presente, de forma mais ou menos discriminada, em todas as freguesias ribeirinhas da margem direita do rio Lima, permitindo-nos inferir a sua abundância e relevância económica. Estes recursos piscícolas alimentam ainda hoje uma importante atividade piscatória sazonal, sendo possível observar na época da lampreia, entre fevereiro e março, um elevado número de embarcações onde se praticam as artes de pesca tradicionais. 

Pequenos embarcadouros pontuam as margens do Lima, denotando a importância da relação das populações ribeirinhas com o rio, seja pela já referida exploração dos recursos piscícolas, seja pela importância que este possuía no passado enquanto via de transporte fluvial de mercadorias. Pelos barcos que navegavam no Lima circulavam frutas, pescado, vinho e outros produtos excedentários de uma prolífica atividade agropecuária, cujo escoamento para os mercados de consumo nacionais ou internacionais era facilitado pela proximidade ao porto de mar de Viana do Castelo.

Desde as margens do Lima avistam-se as cumeadas dos sistemas montanhosos que definem os limites da sua bacia hidrográfica, com altitudes crescentes desde a Serra de Santa Luzia, que atinge a cota dos 500 metros, até à Serra de Arga, cujo planalto se desenvolve entre os 700 e os 800 metros. Estes relevos proeminentes sobressaem à observação pelos contrastes paisagísticos ditados pelas caraterísticas do coberto vegetal, da distribuição dos usos do solo e pelo povoamento concentrado. Os limites que definem este mosaico de blocos elevados são estabelecidos pelo cruzamento de alinhamentos tectónicos, os quais condicionam igualmente o traçado dos principais cursos de água, destacando-se, como afluentes do rio Lima, o ribeiro de Portuzelo, a ribeira de Nogueira e o ribeiro do Seixo. 

A presença humana neste território entre o mar, o vale e a montanha, desde o V milénio a.C., é comprovada por numerosos vestígios histórico-arqueológicos, muitos coincidentes com o traçado deste trilho, outros localizados no seu território de enquadramento.

Logo nos primeiros quilómetros do nosso percurso encontramos um marco do antigo Morgadio dos Bezerras, referência da maior importância na história da ocupação humana da paróquia da Meadela, hoje inserida na União de Freguesias de Santa Marta e Meadela. Este sucedeu no século XV ao couto de Paredes, couto monástico beneditino constituído na Alta Idade Média. A sua origem remontará a uma villa demo-agrária da Reconquista, denominada já nessa época Paredes, conforme patente na sua carta de couto, datada de 1136 (Fernandes, Almeida, 1994; Pires, Fabíola Franco, 2010). 

Os marcos que delimitavam o território do outrora couto monástico foram substituídos pelos do morgadio, com o brasão da família dos Bezerras, como o exemplar gravado que encontramos no nosso percurso, cuja face se encontra voltada a um muro divisório de propriedades. 

Prosseguindo para montante, na União de Freguesias de Serreleis e Cardielos, destacamos diversos locais de elevada importância para a reconstituição da presença humana na Ribeira Lima desde o Neolítico à Idade do Ferro. Convidamo-lo a dirigir o seu olhar para o monte de São Silvestre, elevação que se destaca na paisagem, de especial valor histórico e significado espiritual, claramente visível desde as margens do Lima. No seu topo, com uma altitude de 282 metros, encontra-se o castro de São Silvestre. Este povoado fortificado da Idade do Ferro, que subsistiu durante a romanização, ocupa uma localização estratégica no que respeita ao controlo do sector terminal do vale do rio Lima. O sistema defensivo é composto por três séries de muralhas. Diversas habitações, de formato circular e, pelo menos uma de planta quadrangular, encontram-se disseminadas no seu topo aplanado. É provável que os moradores de São Silvestre tenham sido responsáveis pela construção, no princípio do século I, de outros povoados implementados em áreas de menor altitude nas suas imediações, designadamente o habitat de Terronha, que aproveita uma rechã do monte de São Silvestre, de Serreleis e do Calvário, em Perre (Almeida, Brochado de, 1996, 2003, 2009). A localização destes povoados evidencia a progressiva aproximação dos espaços de residência, nos primórdios da romanização, às áreas de vale, decorrente do interesse pelos solos aráveis e enxutos da meia-encosta. 

Na base da vertente oriental do Monte de São Silvestre, no lugar da Breia, encontramos um conjunto de três afloramentos rochosos de perfil horizontal, num local de passagem natural entre as terras de fundo de vale e as de altitude, com excelente visibilidade para outros locais estratégicos da ocupação humana do vale do Lima. Nestas lajes graníticas, identificou Francisco Queiroga, em 1999, diversos motivos gravados, entre os quais círculos concêntricos, sendo provável que as gravuras de datação mais recuada remontem ao Neolítico. Estes painéis gravados inserem-se na denominada arte esquemática ou arte atlântica, exibindo motivos circulares unidos por linhas, figuras antropomórficas e zoomórficas, provavelmente equídeos, um deles montado por cavaleiro armado, bem como gravuras cruciformes. Estas gravuras rupestres abrangem uma cronologia que se estende do Neolítico até à Idade do Ferro, com posterior cristianização do local com as inscrições cruciformes de idade medieval (Bettencourt, Ana, 2005, 2013). 

Continuando o nosso percurso no sentido nascente, avançamos para Torre e Vila Mou, União das Freguesias onde encontramos um rico património religioso, que nos testemunha a importância das instituições monásticas na organização da ocupação do território da Ribeira Lima durante a Idade Média. Os mosteiros beneditinos, ordem com mais relevante presença na Ribeira Lima, moldaram a cultura e a paisagem rural que hoje observamos, influindo na estrutura fundiária, ao nível da configuração e disposição das propriedades, na organização de sistemas de rega baseados no aproveitamento das fontes e ribeiros e na criação de canais para escoamento das águas pantanosas, como se verifica nas veigas desde Cardielos até Lanheses, assim como no ordenamento dos aglomerados fora dos limites dos campos e hortas (Moreira, Manuel António Fernandes, 1986). 

Embora um pouco afastado do nosso percurso equestre, não podemos deixar de referir o papel crucial desempenhado pelo mosteiro de São Salvador da Torre no desenvolvimento socioeconómico do Baixo Lima durante os últimos séculos da Idade Média. As suas origens mais longínquas remontam a um cenóbio que o precedeu, mandado erigir por Paio Vermudes em Vila Mou, no início da segunda metade do século IX. Figura insigne da Reconquista Cristã, este conde galego tomou por presúria numerosas terras da Ribeira Lima, apoderando-se de várias vilas agrárias situadas na margem direita do rio Lima, entre a Serra de Arga e o mar. Este primitivo mosteiro terá desaparecido na primeira parte do século XI, tendo sido muito provavelmente alvo dos ataques normandos e destruído por incêndio. Esta hipótese alicerça-se no facto de diversos vestígios deste primitivo mosteiro apresentarem uma camada de fumo, conforme constatado por Figueiredo da Guerra quando observou as pedras decoradas aparecidas na igreja velha de Vila Mou e que hoje estão guardadas no Museu de Artes Decorativas de Viana do Castelo. Em 1068, Frei Ordonho, descendente de Paio Vermudes, empreendeu a sua imediata reconstrução, num local mais seguro, fundando o mosteiro de São Salvador da Torre. 

O couto deste mosteiro, cuja área atingia os 40 km2, foi criado em 1129 por carta de D. Afonso Henriques. Constituía um dos maiores coutos monacais do país. Compreendia terras aluvionares na veiga da Ribeira Lima e áreas planálticas. Era rasgado em cruz pelas estradas medievais de Viana do Castelo – Ponte de Lima – Caminha. Nas Inquirições de 1258, este couto abrangia não só a sua freguesia como as de Vila Mou, Lanheses, São João de Nogueira, São Cláudio, Meixedo e ainda diversos casais em Afife, Carreço e Perre (Arquivo Distrital de Viana do Castelo, 2009).

Na atualidade, poucos vestígios encontramos do mosteiro medieval de São Salvador da Torre. O edifício que hoje se ergue a sul da igreja paroquial remonta aos séculos XVIII e XIX. Não obstante as diversas reformas, são ainda observáveis na igreja paroquial da Torre elementos do primitivo templo românico. No núcleo central da atual igreja, salienta-se a antiguidade de parte da capela-mor, o arco cruzeiro e janela rasgada na parede da ala norte. No corpo principal do edifício é possível observar vestígios de duas portas laterais, tipicamente românicas. A fachada e pórtico são da mesma época, embora se encontrem situados em posição diferente do original. No final do século XVII, sofreu obras de ampliação, tendo sido introduzidos elementos barrocos.

Na freguesia que confronta a norte com a paróquia da Torre, encontramos a igreja românica de São Cláudio de Nogueira. O mosteiro de São Cláudio remonta ao domínio suevo. Fundado por S. Martinho de Dume em 568, foi destruído pelos mouros cerca de 716 e reedificado em 1145. A reconstrução deste mosteiro beneditino no período condal, no século XI, permite-nos inferir a sua importância na presúria e povoamento das terras integradas no condado portucalense. Em meados do século XIII, as Inquirições de D. Afonso III, de 1258, localizam-no no couto do Mosteiro de S. Salvador da Torre. No século XV, a instituição monacal foi extinta e em 1835 passou a igreja paroquial, tendo sido alvo de profundo restauro em 1949. A igreja de São Cláudio de Nogueira é um dos templos que melhor reflete a arquitetura religiosa rural, dos séculos XI a XIII, no Norte de Portugal. Concluída na viragem para o século XIII, a igreja apresenta um produto planimétrico comum à maioria dos exemplares do românico português: capela-mor quadrangular e nave única de dimensões modestas.

Após esta breve apresentação da paisagem cultural e do património histórico-arqueológico que enquadra este percurso equestre da Ribeira Lima, convidamo-lo a partir à descoberta de lugares, panoramas e monumentos de especial valor ambiental, histórico, arquitetónico ou paisagístico. Mais do que uma sucessão de pontos de interesse aleatórios, pretendemos conduzi-lo através de uma narrativa onde se cruzam a dimensão humana e natural da construção do território. 

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